1. Introdução 

No decorrer deste projeto, o GELOG tem demonstrado os impactos dos eventos disruptivos sobre as cadeias de suprimentos globalizadas, enfatizando o fenômeno sem precedentes da crise causada pela pandemia da Covid-19. Isso não se deve apenas pela amplitude dos efeitos econômicos e humanitários do coronavírus, mas pelas constantes mudanças de cenário causadas por essa crise. Ao passo que as empresas tentam planejar respostas para o problema, a situação muda a cada dia, com uma velocidade, escala e impacto muito maiores em comparação à quando foram inicialmente avaliados (MYSORE; USHER, 2020). 

Ainda assim, é possível constatar que algumas ações específicas podem reduzir os impactos de uma disrupção e fazer com que as cadeias se recuperem mais rapidamente: algumas empresas, inclusive, já demonstravam levar este aspecto em consideração antes mesmo do surto do novo coronavírus. Como abordado no artigo anterior, a identificação e gestão de riscos também inclui-se como uma etapa essencial na construção da resiliência, característica de extrema importância para a sobrevivência e competitividade das empresas globalizadas (NOW THAT’S LOGISTICS, 2020). 

A questão é que a resiliência da cadeia de suprimentos não manteve o compasso da crescente complexidade logística do comércio internacional. Assim, muitos dos riscos à que as cadeias modernas estão expostas estão relacionados com a falta de entendimento acerca da sua complexidade e das redes que conectam todos seus agentes (CHRISTOPHER; PECK, 2004). Um estudo da MIT Scale Network, organização internacional de educação voltada à cadeia de suprimentos, constatou que até grandes empresas têm se mostrado incapazes de criar regras de contingência e procedimentos para operar em cenários complexos e de alto risco (SAENZ; REVILLA, 2020). 

A tecnologia foi outro fator que não acompanhou o desenvolvimento das cadeias de suprimento, que não são mais sistemas lineares, e sim redes interconectadas de compradores e fornecedores. Dessa forma, a estrutura arcaica da cadeia de suprimentos tem dificultado a acessibilidade dos fluxos de mercadoria e informações entre os seus elos (LIAO; FAN, 2020). Em meio ao cenário caótico da pandemia, pensando no futuro após a crise e com o objetivo de evitar as mesmas perdas, surge uma nova prioridade no planejamento empresarial: a elaboração de estratégias que atribuem alta resiliência à cadeia de suprimentos.

2. No que Consiste uma Cadeia Resiliente?

Para Christopher e Peck (2004), a resiliência se resume na “habilidade de um sistema voltar ao seu estado original, ou para outro estado mais desejável após ser perturbado”. Em outras palavras, é a capacidade para lidar com as consequências de eventos relacionados à riscos inevitáveis (JÜTTNER, MAKLAN, 2011). Hoje, muitas empresas ainda constroem suas cadeias visando a otimização de custos e nível de serviço, e não a redução de riscos. Porém, a resiliência deve estar no próprio design da cadeia de suprimentos, expressando características essenciais como a visibilidade, a flexibilidade e a comunicação (CHRISTOPHER; PECK, 2004; ILLIPRONTI, 2020).

A visibilidade está relacionada com o conhecimento da estrutura da cadeia de suprimentos e como esta vai se comportar frente a influências externas. Inclui também a integração de sistemas e o conhecimento do inventário, níveis de suprimento e demanda por toda a cadeia de suprimentos, sendo fundamental para a sua gestão (CHRISTOPHER; PECK, 2004; BLACKHURST, 2005). Em relatório, o Fórum Econômico Mundial (2020) descreveu a visibilidade como um aspecto chave para a otimização e agilidade em tempos de produção normal, mas fundamental no planejamento de ações para conter os impactos em casos de eventos inesperados. Um exemplo citado por De Oliveira Costa (2016) ressalta a importância da visibilidade de rotas de fornecimento para uma empresa: conhecendo as rotas possíveis, a empresa pode fazer alterações em momentos de possíveis rupturas, visando mitigar os impactos. 

O grande impasse para o alcance de uma visão completa da cadeia de suprimentos, no entanto, é a burocracia entre as trocas: além da documentação e assinaturas ainda serem requeridas em papel, muitos fornecedores não se mostram acessíveis para divulgar informações por medo de perder vantagens competitivas. Por isso, muito se fala na digitalização da cadeia de suprimentos e no uso de tecnologias como o blockchain para aumentar a sua resiliência, garantindo acessibilidade para os consumidores e privacidade para os fornecedores (LIAO; FAN, 2020).

Investir na digitalização também permite que as cadeias de suprimentos sejam mais flexíveis, ou seja, capazes de se adaptar de forma eficiente frente à disrupções na oferta e mudanças na demanda, enquanto mantém seus níveis de serviço ao cliente. Ao centralizar dados e mapear parceiros, processos de gestão de riscos e coordenação são facilitados (BARRIBALL et al., 2020; STEVENSON; SPRING; 2007). Assim, flexibilidade é essencial para a conferir agilidade à cadeia de suprimentos, e por isso deve ser tratada como uma prioridade pelas empresas. De acordo com Hau Lee, professor na Universidade de Stanford, isso deve ocorrer não só através do investimento em fornecedores alternativos e designs eficientes – de modo que os produtos possam ser produzidos em diferentes locais – como nas operações logísticas (ANDREWS, 2020).

Por fim, a comunicação e compartilhamento de dados pode ser citada como outro aspecto fundamental na construção da resiliência, mesmo que o maior desafio ao se tratar da colaboração seja o posicionamento ainda competitivo de muitas empresas. Buscar fornecedores alternativos pode ser muito mais complicado quando outros países apresentam políticas diferentes, seja em termos de transporte ou de produção (BARRIBALL et. al, 2020). Por esse motivo, o trabalho colaborativo pode ajudar na identificação e mitigação de riscos por toda a cadeia de suprimentos, uma vez que proporciona maior visibilidade da sua estrutura (CHRISTOPHER; PECK, 2004).

Nesta perspectiva, as Cadeias 3A – ágeis, adaptáveis e alinhadas – vêm chamando a atenção por englobar estas características de resiliência, sendo capazes de reagir de forma rápida e organizada à eventos disruptivos. Hau Lee (2004) descreve estes pilares da seguinte forma:

  • Agilidade: visa responder rapidamente à mudanças no suprimento e na demanda, respondendo prontamente a qualquer tipo de disrupção. Pode ser alcançado através da circulação de informação entre consumidores e fornecedores e do trabalho colaborativo; da criação de estoques de componentes chaves para a produção;  da manutenção de um sistema logístico confiável; e da criação de planos de contingência e equipes de gerenciamento de crise.
  • Adaptabilidade: objetiva conseguir mudar seu design para acompanhar as mudanças estruturais do mercado, desde a rede de fornecedores até as estratégias de produção e tecnologia. Envolve o rastreamento de informações relativas à novos mercados e fontes de matérias-primas, o uso de intermediários para contratar novos fornecedores e desenvolver infraestrutura logística e criação de produtos com designs flexíveis.
  • Alinhamento: tem como objetivo criar incentivo para melhorar o desempenho da cadeia através da troca de conhecimentos e informações com parceiros, e também determinar tarefas e responsabilidades claras para compradores e fornecedores, compartilhando igualmente riscos, custos e ganhos de performance.

3. Recuperação Pós-Desastre

No penúltimo artigo publicado da presente série, foram elencados os impactos logísticos que diversos eventos disruptivos causaram nas cadeias de vários países. A partir disso, pode-se dizer que mesmo que sejam feitos esforços para tornar as cadeias de suprimentos preparadas e resilientes, as empresas ainda estão sujeitas a situações inesperadas, como é o caso da pandemia vivenciada no momento. Perante situações de desastre ou outros eventos atípicos, as organizações precisam possuir planos táticos previamente elaborados detalhando quais ações podem ser tomadas a curto e longo prazo, visando agir rapidamente e minimizar os impactos aos quais suas cadeias estão submetidas (ACCENTURE, 2020).

Tendo em vista essa possibilidade, uma alternativa para contornar situações inesperadas é a elaboração de planos de contingência – approach tomado por diversas empresas para lidar com a atual crise do coronavírus. Um bom plano de contingência permite que as empresas reajam frente a disrupções na sua cadeia de suprimentos, minimizando assim a potencial perda que ocorreria caso a organização estivesse despreparada (Tetakawi, 2020). A existência de um plano de contingência utilizado imediatamente após a ruptura é fator essencial à resiliência da cadeia de suprimentos, auxiliando na recuperação da mesma (COSTA et al., 2016). 

Neste sentido, é preciso levar alguns fatores em consideração para planejar medidas eficientes na contenção dos impactos de um evento. Visando prever e amenizar o processo de recuperação pós-desastre das empresas, Dahlhamer e Tierney (1998) discorrem acerca de um modelo de recuperação organizacional que estima o efeito de quatro variáveis. A primeira delas diz respeito às características da empresa, uma vez que idade, tamanho e tipo de negócio influem diretamente em sua sobrevivência, bem como a condição financeira pré-desastre. A segunda variável mencionada levada em consideração é a de impactos diretos e indiretos do desastre, ou seja, classificação dos diferentes impactos que a empresa sofreu, sejam eles danos físicos, interrupções organizacionais, perda de equipamento ou disrupção das operações. As medidas de contenção de perdas entram em terceiro lugar, quando são analisados os passos que a organização toma para reduzir os custos associados aos impactos e efeitos do desastre. Por último, tem-se a variável de experiências passadas com desastres, uma vez que, ao já ter enfrentado uma disrupção previamente, aumenta-se o preparo das firmas privadas, que já possuem plano de recuperação e estratégias de realocação, por exemplo. 

Como dito, as disrupções são cada vez mais parte da realidade turbulenta das cadeias globais, e assim as organizações vêm aprendendo na prática a passar por tais eventos de forma que suas cadeias recebam o mínimo de impacto possível. O próximo  tópico do artigo aborda como diversas empresas lidaram com as consequências de eventos disruptivos, o que as tornaram mais preparadas para a atual crise.

4. A Resiliência na Prática

Um plano de contingência pode ser o determinante para a continuidade ou não de um negócio, ou então no mínimo um ótimo aliado para impedir que fortes impactos sejam sentidos pelas empresas, como é ilustrado na tabela a seguir, onde podemos ver a diferença dos efeitos sofridos por empresas preparadas e despreparadas perante eventos disruptivos:

A partir da tabela percebe-se que aquelas empresas que planejaram e implementaram um plano de contingência sofreram menos impactos financeiros frente a situações disruptivas. Tomemos a Toyota como exemplo, que em 2007 teve a produção interrompida de uma peça automotiva presente na maioria de sua frota, o que atrasou a entrega de 55 mil carros (COSTA et al., 2016). Como alternativa, a produção foi realocada para outro fornecedor, minimizando assim os impactos na sua cadeia de produção. Na mesma linha, a Esquel, fornecedora de grandes marcas como Hugo Boss e Nike, lidou de forma semelhante para contornar os efeitos da Covid-19: impossibilitada de enviar tecidos da China para a fábrica no Vietnã, aplicou um plano de contingência rapidamente, encontrando então uma rota alternativa para efetuar as entregas (ANDREWS, 2020).

É evidente na tabela acima que as empresas mais flexíveis e de resposta rápida estão mais preparadas para lidar com circunstâncias atípicas, ou seja, as cadeias com características 3A e resilientes são as mais prováveis a sofrerem poucas perdas e possuir sucesso a longo prazo mesmo depois de disrupções.  

5. Considerações Finais

O presente artigo teve a intenção de demonstrar como cadeias resilientes conseguem minimizar os impactos de disrupções e a importância dos planos de contingência para a rápida tomada de ações e o retorno da produção a níveis regulares após a ocorrência de um evento. Através da apresentação de cases, procurou-se demonstrar os resultados práticos de empresas preparadas e despreparadas, salientando a diferença que o investimento em ações resilientes pode fazer.

Embora os pilares da resiliência definidos pela adaptabilidade, agilidade e alinhamento tragam ideias e princípios claros para a governança da cadeia de suprimentos, este não é um conceito facilmente atingido. Para que estes pilares sejam bem sucedidos, diversas pequenas – porém numerosas – ações fazem-se necessárias, e precisam ser postas em prática por cada elo participante. Nesse sentido, a presença de parcerias e outras ações colaborativas, bem como a consciência da alta gestão e o preparo de uma equipe de gestão de riscos de rupturas se faz de grande importância para elaboração de respostas à interrupções inesperadas na produção e no fornecimento.

Considerando ainda que a frequência de eventos disruptivos é cada vez maior, este tipo de abordagem também se mostra fundamental para a sobrevivência das empresas e não pode ser menosprezado. Deve-se estar atento às novas ferramentas tecnológicas, que facilitam a integração e proporcionam um ambiente mais preparado para o desenvolvimento de cadeias resilientes. Mesmo que muitos gestores enxerguem a  digitalização dos processos como algo custoso, a tecnologia pode ser um diferencial em termos de velocidade, visibilidade e flexibilidade em relação a clientes e fornecedores.

Por fim, os planos de contingência ganham importância no período posterior ao acontecimento da disrupção, possibilitando organização e a agilidade para tomada de decisões. Isso pode significar grandes ganhos ou perdas de mercado, levando em conta a competição acirrada entre empresas nos dias de hoje. Assim, as cadeias resilientes e preparadas com plano de contingência estão propensas a não só sofrer menos impactos com disrupções, como ganhar espaço frente a sua concorrência.

Autores: Giulia Wolff Bridi, Juliana Truffi Barci, Luis Eduardo Corrêa de Sousa Vieira, Pâmela Nicole Brecht e Yuri Marx


O GELOG – Grupo de Estudos Logísticos é dedicado à formação de futuros profissionais especialistas em logística através da capacitação teórica e prática, como a escrita de artigos, a realização de treinamentos internos e externos e projetos e visitas técnicas junto à empresas parceiras. O Gelog está sediado há mais de 15 anos no Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e está sob orientação do professor Carlos Manoel Taboada Rodriguez, Ph.D.

REFERÊNCIAS

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ANDREWS, Edmund. How to Survive the Disruptions in Global Supply Chains.  Disponível em: <https://www.fastcompany.com/90491078/how-to-survive-the-disruption-in-global-supply-chains>, acesso em: 24 ago. 2020.

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