O surto da COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus foi declarado como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e apresenta hoje um alcance de 216 países, áreas ou territórios afetados pelo vírus por todo o mundo. Esse alto índice de disseminação da doença em um curto período de tempo se deve não apenas às características do vírus, mas à característica de globalização das trocas comerciais e culturais (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2020). 

Ao considerar essa emergência global, o transporte aéreo assume grande responsabilidade. Uma vez que este é o modo mais frequente e rápido para a disseminação de uma epidemia, a aviação pode agir de forma a transformá-la em uma pandemia. Isso se deve a sua capacidade de vencer grandes distâncias em pouco tempo e ao sistema de circulação de ar da aeronave que pode representar um ambiente favorável para a propagação de vírus na atmosfera (MAJIĆ et al., 2009).  

Por outro lado, este também é o modal responsável pelo transporte das amostras de pessoas potencialmente ou efetivamente infectadas – o que é fundamental para a confirmação dos casos – além do deslocamento de material para pesquisa ou distribuição de uma vacina. Visto que amostras de natureza biológica são sensíveis à temperatura e ao tempo, pois têm um curto ciclo de vida, sua movimentação demanda um transporte rápido e adequado. Ironicamente, o transporte aéreo, um dos principais responsáveis pela  disseminação da doença, também se faz necessário e mais eficiente no seu combate (MAJIĆ et al., 2009).  

Essa relação única implica em um paradoxo: ao mesmo tempo que o transporte aéreo teve mais de 185.000 voos cancelados e enfrenta uma recessão sem precedentes (IATA, 2020), esse modal nunca foi tão relevante, sendo utilizado para o transporte de equipamentos de proteção, respiradores e espécimes para análise laboratorial. Dessa forma, a redução da capacidade de transporte de carga somada ao aumento de demanda acarretou em uma necessidade tanto de flexibilização, como de regulamentação do carregamento desses materiais na cabine de passageiros. Por sua vez, a cooperação entre governos de países e instituições para facilitar essa atividade também mostrou-se essencial durante a pandemia.

De acordo com a Air Cargo News, o movimento de cargas com essas facilitações por conta do COVID-19 é intenso. Somente no dia 18 de maio por exemplo, a QATAR AIRWAY CARGO transportou mais de 36 toneladas de carga médica de Shanghai na China para Tehran no Iran. A Volga Dnepr Airlines operou seis aeronaves cargueiras de grande porte para transportar também de Shanghai para Dubai nos emirados árabes 48 veículos esterilizadores de ruas. A grande transportadora estadunidense UPS, em parceria com o laboratório indiano Dr Reddys transportou de Hyderabad, na Índia, até a cidade de Colônia, na Alemanha, 30 toneladas de material farmacêutico com temperatura controlada. Já a empresa sul coreana, Cathay, movimentou 500.000 máscaras para o estado de Oregon, nos EUA, a fim de atender a demanda da reabertura dos comércios na região.

Toda essa movimentação de materiais produz uma série de dados contraditórios em relação ao índice de carga transportada. Segundo estudo da Seabury Consulting, o volume transportado por via aérea no ano de 2020 despencou em 26% em relação ao ano anterior, mas esse valor pode ser explicado pelo fato de o transporte de carga e pessoas ainda ser em maior parte conjunto. Enquanto a quantidade de carga conduzida nos aviões de passageiros reduziu em 72%, a parcela transportada em aviões exclusivos para frete aumentou em 17%, se comparado a este mesmo período de de 2019 (ACCENTURE, 2020). A crise atual acaba, então, por influenciar o transporte de carga a se tornar um modelo independente e com regulamentação própria. 

Nesse contexto, pode haver uma tendência de aumento das frotas exclusivas de carga, contrariando a situação atual, na qual o transporte de cargas é predominantemente dependente das aeronaves de passageiros. A Amazon tem planos promissores nessa modalidade de transporte: a empresa projeta ampliar seu número de aeronaves cargueiras de 39 para 200 até 2028. Assim, a empresa visa enfraquecer cada vez mais sua dependência com outras operadoras de transporte aéreo (AIR CARGO NEWS, 2020).

Diante deste panorama, é possível concluir que, apesar da peculiaridade dos tempos atuais e de todas as consequências da COVID-19 no transporte aéreo, esse modal de transporte se mostra vivo e ascendente, se adaptando e obtendo novos investimentos. Dessa forma, as mudanças exigidas durante a pandemia para o transporte aéreo resultam em não somente adaptações momentâneas, mas reconfigurações sólidas em sua estrutura buscando cada vez mais o uso eficiente do seu potencial.

 

Autores: Raquel Stefan Filgueiras, Samir Capistrano Filho e Daniel Peceguini Mathias

 

REFERÊNCIAS:

MAJIĆ, Zvonimir; JUKIĆ, Irena; PAVLIN, Stanislav. Air transport and logistics in pandemic outbreak of influenza A (H1N1) virus. Promet-Traffic&Transportation, v. 21, n. 6, p. 441-450, 2009.

Organização Mundial da Saúde. WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. Disponível em: <https://covid19.who.int/>. Acesso em: 1 de junho de 2020.

Air cargo continues fight against Covid-19. Air Cargo News, 2020. Disponível em: <https://www.aircargonews.net/airlines/airlines-continue-fight-against-covid-19/>. Acesso em: 9, junho de 2020.

Associação Internacional de Transportes Aéreos. IATA Press Release Nº14, 2020. Disponível em: <https://www.iata.org/en/pressroom/pr/2020-03-16-01/>. Acesso em: 30, maio de 2020.

COVID-19: Impact on air cargo capacity. Accenture Insights, 2020. Disponível em <https://www.accenture.com/ro-en/insights/travel/coronavirus-air-cargo-capacity>. Acesso em: 26, maio de 2020.

CHOUMERT, Denis. The Corona Paradox in Air Cargo. The International Air Cargo Association, 2020. Disponível em: <https://tiaca.org/news/the-corona-paradox-in-air-cargo/>. Acesso em: 6, junho de 2020.

ROBINSON, Cortney. Overcoming COVID-19 Pandemic Challenges to the Air Cargo Sector. The International Air Cargo Association, 2020. Disponível em: <https://tiaca.org/news/overcoming-covid-19-pandemic-challenges-to-the-air-cargo-sector/>. Acesso em 6, junho de 2020.

Organização Internacional da Aviação Civil. ICAO Council establishes COVID-19 Aviation Recovery Task Force. ICAO Newsroom, 2020. Disponível em: <https://www.icao.int/Newsroom/Pages/ICAO-Council-establishes-COVID19-Aviation-Recovery-Task-Force.aspx> Acesso em: 30, Maio de 2020.

Amazon Air’s freighter fleet projected to hit 200 in 2028. Air Cargo News, 2020. Disponível em:<https://www.aircargonews.net/airlines/freighter-operator/amazon-airs-freighter-fleet-projected-to-hit-200-in-2028/>. Acesso em: 9, junho de 2020.